A recusa dos partidos políticos da esquerda, à realização de um referendo sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, proposto à Assembleia da República por mais de 90.000 cidadãos, constituiu uma oportunidade perdida.
Uma oportunidade rara, mas perdida, de dar sentido prático aos constantes apelos à participação cívica e politica dos portugueses.
Desta vez, a sociedade civil não só se organizou em torno de uma iniciativa que lhe diz directamente respeito, como foi ainda capaz, pela primeira vez em Portugal, de dar cumprimento aos apertados requisitos legais para a realização deste tipo de instrumento plebiscitário. O mínimo legalmente exigível, 75.000,00 assinaturas, são, como bem notou o deputado Ribeiro e Castro (CDS/PP), suficientes para legalizar a criação de 10 partidos políticos ou instruírem cinco candidaturas à Presidência da República.
Uma tarefa verdadeiramente ciclópica, de que nada valeu. Os grupos parlamentares da esquerda, aliás como os da direita, falam muito em dar voz ao povo, mas os primeiros, não mais fizeram que silenciar a voz deste mesmo povo. Gostam muito de falar em nome do povo, mas temeram a voz do povo.
Mas esta foi, de igual modo, uma oportunidade perdida para os partidos políticos da esquerda, demonstrarem que têm memória e coerência de pensamento e na acção. Assim não aconteceu.
Alegar que a Assembleia da República tem legitimidade bastante para aprovar o casamento homossexual, sem necessitar de referendo, é uma incongruência.
Desde logo, porque tendo a Assembleia da República, por definição, competência para legislar sobre qualquer assunto, nunca em Portugal, para além do constitucionalmente obrigatório referendo à regionalização, haveria necessidade de realizar um qualquer outro. Bastaria, para tanto, invocar a inegável legitimidade advinda da própria representatividade democrática, a incontestável legitimidade formal. O que importava assegurar era contudo a legitimidade substancial. Essa só a sociedade a poderia conferir, se auscultada, como reclamara. Só a sociedade o poderia ter feito, porque era ela própria quem estava e está em causa. Era e é o seu cerne, o seu elemento nuclear, a família, que foi questionado no seu conceito, modelo e identidade.
Esta é uma matéria que extravasa largamente o campo da política, invadindo a esfera da ética, da moral e da consciência individual. Foi esta a base de sustentação que conduziu o Parlamento a decidir-se, primeiramente, pela consulta popular no caso da interrupção voluntária da gravidez, mas que desenvergonhadamente os partidos da esquerda preferiram ignorar.
Impor aos portugueses referendos não reclamados, um deles repetido por não ter tido um resultado favorável, e depois, em igualdade de circunstâncias, negar igual direito aos mesmos portugueses, é o exemplo supremo da incoerência.